Bem, poderíamos começar o presente texto anunciando
um novo método para não sentirmo-nos tão infelizes. Mas como, muito
provavelmente, um método desses nunca existirá, sinto-me aliviado por não
carregar a responsabilidade de escrever tal texto nem culpado por não
escrevê-lo. Falemos de sentimentos. Por mais batido e clichê que esse assunto
possa parecer, ele ainda rende muitas histórias, assim como rendeu e renderá
até o fim da nossa existência, primatas sentimentais.
Talvez alguém que se atreva a ler o início deste
texto pense: “Mas que besteira! Lá vai mais um falar de coisas que todo mundo
sente, coisas que todo mundo já sabe o que é, coisas que não têm importância!
Mais um querendo ser o dono da verdade, mostrando como as pessoas agem, como se
ele não agisse de tal forma, porque se acha superior e inafetável por aquilo
que o próprio descreve!”.
Bom seria se esse tipo de gente existisse: alguém
totalmente inafetável pelas ações normais, alguém totalmente imparcial. Mas
como esse “alguém” não existe, sinto-me obrigado, hoje, a falar da fonte mais
segura de certos sentimentos que conheço [ou julgo conhecer, pelo menos]: Eu.
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Retirado de: http://psicologiaviva.wordpress.com/ |
Começo admitindo um dos meus maiores defeitos [ou
virtude?]: apego-me ligeiramente fácil a algumas pessoas. Ou simplesmente passo
algumas semanas me dando bem com alguém e depois meio que “tudo perde a graça”.
Talvez isso seja, em partes, culpa das ferramentas tecnológicas das quais
usufruímos, de onde conhecemos pessoas com as quais começamos a falar, fazer piadas e contar segredos. Depois conhecemos mais gente, então os mais antigos viram apenas arquivo. Talvez seja, em outras partes, culpa do meu próprio comportamento.
O certo é que isso já me aconteceu algumas vezes e, sinceramente, não gosto de
mim quando passo por isso. A parte boa dessa história é que de quem não se
perde a graça acabo virando amigo de verdade. Um amigo a mais que seja! Lucro!
Amigos são realmente importantes na formação das
nossas personalidades, e isso deve ser uma das coisas que todo mundo já sabe. Porém, algo que engana muita gente é que “só amigos bastam”. Quando falo amigos,
incluo a família, já que penso que se não tivessem “inventado” a instituição
“família” todos seriam amigos do mesmo jeito [na verdade, mais amigos. Amigos
de verdade, sem a ideia que mãe é superior ao filho ou que devemos respeitar
nossos irmãos porque eles vieram do mesmo útero que a gente. Amigos por real
consideração].
Como só amigos não bastam, é chegado um momento na
vida de uma pessoa que ela quer algo a mais. Algo que os amigos não conseguem
dar [“não conseguem” não implica deficiência, porque o que eles oferecem é
diferente. Seu papel é outro]. Então o humano percebe que precisa de amor. Não
amor parental, fraternal, animal, mas sim um amor que, até então, só se ouviu
falar. Um amor que nem se sabe de sua veracidade nem de sua possível
intensidade. Bem, nosso problema, em geral, é que não sabemos quando estamos
prontos para isso, se estamos certos disso ou se isso realmente existe. O certo
é que temos medo. Ah, o medo sempre é certo! Se existe um “sentimento” que
descrevemos quase que perfeitamente, ele se chama medo. Não é à toa que ele nos
acompanhou durante toda nossa evolução, e ainda permanece.
Então se conseguimos descrever o medo “quase que
perfeitamente”, porque ele é um “sentimento natural”, por que não sabemos ao
certo quando estamos amando? Não seria o amor, também, um sentimento natural?
Desde quando o “amor” acompanha nossa espécie? Bom, isso seria objeto de um
estudo mais aprofundado, o que não tenho, agora, a mínima paciência ou vontade
para começar. Que isso se torne um plano concretizado, se possível, no futuro,
não muito distante, de preferência.
Ouvimos pessoas falando sobre sentimentos
diariamente. O problema é que “será que elas estão sentido isso mesmo”? Não
estariam elas descrevendo erroneamente o que sentem? O comportamento verbal tem
dessas peças a pregar. Se tu nunca sentiste vergonha de verdade, então ouves alguém dizendo
que está com vergonha, ao passo que descreve tal sentimento como horrível,
constrangedor e paralisante, quando te sentires horrorizado, constrangido e
paralisado estará também condicionado a dizer que estás com vergonha. Mas será
que vergonha é isso tudo mesmo?
A má descrição do “sentimentos” pode nos atrapalhar
em uma provável autoavaliação: estou com medo ou estou envergonhado? Estou
odiando ou estou chateado? Estou simplesmente gostando de alguém ou estou
amando esse alguém?
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Tirinha do cartunista Orlandeli. |
Venho percebendo [desculpem-me por usar minhas
experiências de observação de terceiros] que algumas pessoas se escondem dentro
de uma dura carapaça, pois são, na verdade, indefesas lesmas. Sua carapaça não
faz parte de si, mas se tornou quase que essencial para se manter uma imagem
zelada. Preparada. Usurpada. Falseada.
Negar-se para se manter no meio? Porque não choras
na frente de todo mundo? Porque não dizes quão ridículo é estar no meio? Pois
sei que não gostas de estar lá, na verdade... Tu querias apenas poder chorar
quieta, fazendo todo mundo entender que estás sofrendo de verdade! Mas o
sentido e os sentimentos são falseados. Olhar-te-ão e dirão: “Chora mas não
sabe bem o porquê! Isso é frescura”. Talvez encontramos a razão para tantos
sentimentos usurpados ou simplesmente negados.
Admito, até certo ponto [e talvez eu mesmo esteja
negando algo supracitado], que ando passando por uma situação confusa.
Quando junto aquele meu defeito/aquela minha virtude
com uma situação prática, não sei bem o que sinto. Para ser mais preciso, penso
que sinto algo por alguém [A: Talvez seja só atração... – B: Talvez não seja só
atração!]. De certo modo, sinto-me apegado a esse alguém. Esse alguém me faz
algo, que talvez ele nem perceba que me faz mal. Então sinto algo que,
novamente, não consigo explicar. Fico confuso. Então escrevo um texto tentando
entender porque sou assim, ao passo que tento explicar a mim mesmo algumas
possíveis razões para esse comportamento. Odiável, diga-se de passagem.
Espero que isso aconteça com mais gente, caso contrário
precisarei de algumas terapias. Longas terapias, aliás...
Penso que perdi o fio da meada. Olho para cima,
esperando alguma resposta. E é óbvio que a resposta não vem! Se viesse o texto
perderia a graça e o sentido! O apelo. O desespero. O certo é que o maldito fio
tece boas histórias para nossas vidas. Histórias que se perpetuam, aliás, pois
o fio nunca acaba, e acaba que ele serve para mais gente como a gente.
É. No fundo nós, primatas autointitulados
inteligentes, somos tão iguais quanto todos da nossa espécie. E sabemos disso.
Mas temos um forte sentimento, desejo de singularidade, o qual nos faz pensar que ser
igual a outros como a gente é ruim. E talvez seja. Quem sabe? Mas quanto mais diferentes
queremos ser, mais parecidos somos uns com os outros, o que nos torna membros
de uma sociedade doentia. E penso que a
tal singularidade de que falo nos faz, de certo modo, diferentes, mas tão
diferentes que às vezes nos confundimos, saudavelmente, pois ter quem nos
entenda é importante.
E é aqui que aparece aquela pessoa que não te dará
amor parental, fraternal ou animal. Ela será diferente de ti, mas tentará te
compreender como se tentasse o auto entendimento. Mas também é aqui que
aparecem as dúvidas, as certezas não confirmadas e, muito provavelmente, algo
parecido com o medo de tentar.
O engraçado é que mesmo depois de tentarmos e
acharmos que deu certo, as lesmas nos aparecem com suas duras carapaças,
novamente!
Volto a falar de comportamentos.
Sou uma prova do que falo, mas também falo que vi
isso em outras pessoas. E realmente me impressionei.
Tu tens uma primeira experiência emotiva com alguém.
Não necessariamente relações sexuais. Um relacionamento, inicialmente,
apaixonado, apaixonante [lembrando que eu mesmo posso não saber bem o que sinto, mas tenho
uma ideia. A: Talvez seja só atração... – B: Talvez não seja só atração!].
Então tu tens boas experiências nesse relacionamento. Porém tu acabas com ele.
Pouco tempo depois, tu inicias outro relacionamento com um outro alguém.
Prestaste atenção que é difícil não agir de forma que lembre o relacionamento
passado? Muitas vezes os “sentimentos” são parecidos, a tua vontade do outro é
parecida, até os erros são parecidos. E mesmo que tu passes dois anos e três meses sem
ninguém, toda a filosofia, toda a psicologia, todo teu pensamento a respeito de
relacionamentos, criado durante esse tempo, não vale nada, em um primeiro
instante. Tu estarás condicionado a agir de uma maneira que lembre respostas
emitidas a contingências passadas parecidas com as que tu estás vivendo,
visando, meio que inconscientemente, o melhor resultado possível, que é algo
parecido com o que tu já viveste, pois é um resultado conhecido e se, no
mínimo, for parecido com o que tu já viveste, tendo um resultado que te
favoreça na situação, sentir-te-á mais seguro para agir daquela forma quantas
vezes for necessário. Conveniente.
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http://www.luzes.org/conteudo.php?ar=3&a=121&Cod=136 |
Como já disse, isso também acontece inicialmente.
Depois vemos que certos comportamentos entram em extinção [muito provavelmente,
não todos], já que em relacionamentos diferentes temos contingências diferentes.
E, não necessariamente, no tal “primeiro instante”, se agirá como se agiu no
passado, tendo como base do comportamento contingências parecidas e
consequências reforçadoras. A cognição criativa de cada um cuidará da emissão
de novas respostas para novas contingências ou, quem sabe, mesmo para
contingências que lembrem as passadas. Ainda assim, acredito que seja mais
fácil um comportamento passado voltar a ser emitido em uma situação S presente,
desde que ela te lembre estados internos, subprodutos de comportamentos,
“sentimentos” vividos no passado, e desde que o emissor considere tais
subprodutos “bons para ele”, reforçadores. Como quando uma das lesmas com carapaças tem a
carapaça quebrada: ela se torna um animal diferente. E vemos isso em seus
olhos! Provavelmente outras pessoas danificaram sua carapaça no passado, logo
penso que a lesma não agiu tão diferentemente de quando estive com ela. Assim,
a meu ver, relacionamentos que podem oferecer um amor diferente daquele que os
amigos oferecem sempre começam de um modo parecido. Volto a dizer que falo de
experiências minhas. Mas também já bastam tentativas comportamentais de
explicação!
O certo é que cada um de nós deve tentar quebrar o
máximo de carapaças, tantas quanto forem possíveis! Paradoxalmente, esse recado
também se estende às lesmas. Sim, elas têm poder, ainda que encarapaçadas, pois
elas podem simplesmente decidir deixar suas carapaças de lado, um dia! Quão adoráveis
podem ser as lesmas, esses bichinhos úmidos e nojentos, sem suas carapaças?
Chore! E faça com que os outros chorem! Ria! E faça
com que os outros riam! Sofra! E faça com que os outros percebam a necessidade
do sofrimento, para que não tenham medo de errar e de sofrer! E mesmo que te
digam: “Isso não vai prestar”, deves ter a consciência de que aquilo pode não
prestar, realmente, e que fazes aquilo por amor à vida! Porque tens vontade de
viver e de conhecer o máximo de sensações enquanto estiver vivo, para ter
histórias para contar a teus filhos, que serão teus amigos e dever-te-ão respeito
não porque tu és pai deles, mas porque eles perceberam que tu mereces respeito!
Assim podemos reconstruir mais um conceito: o de
família. Ou acabar com ele de uma vez! E incrementar aquele de amizade! Ao
passo que o conceito de amor... bem, esse continuará difícil de conceituarmos,
eternamente. Então apenas vivamos o que achamos o que ele simplesmente é! Antes
viver um amor que tu criaste que viver amor nenhum.
Gostaria de explicar que a figura do Id, Ego e Super-Ego
tem caráter meramente ilustrativo, já que tendo mais,
no decorrer do texto, a uma abordagem Comportamental.