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terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

O engasgo

    Um engasgo. Nem desce - sai muito menos. E era obrigação do conteúdo ejetar-se, naquele exato momento, em que achava oportuno, e cair nos ouvidos de alguém muito especial. Não antes. Não depois. O universo funciona numa lógica determinística, em que certos eventos só ocorrem depois de outros. É assim na física. É assim na química. É assim na vida, enfim.
     O pior é: tu sabias que aquela era a hora. Tu sabias que poucas palavras te levariam a uma dimensão nunca antes experimentada. Mesmo arrastados balbucios seriam o bastante. Mas eles sequer vieram. Preferiram ficar entalados em minha garganta, punindo-me desde aquele momento até sabe-se lá quando. Não sei nem se já se foram. Afeiçoei-me à sua companhia, ainda que saiba do que são capazes. De certa forma, odeio-me por isso. Ao mesmo tempo, já me livraram de muitas coisas ruins. Ao mesmo tempo, já me privaram de muitas coisas boas.
     "Se o acordo é sofrer um pouco, aceito!"
     "Não, tu não podes acordar isso".
     "Obviamente, posso! É minha a garganta! São meus os pulmões! É o meu coração!"
    "Inútil. Podes ter a mais limpa garganta, os mais fortes pulmões e um coração amante, pronto para dar-se àquela que também o quer. Mas os engasgos, ah, estes também são teus! Eles também são tu próprio!"
      E nada foi como esperava. Como queria. Não era como sabia.
     Cheguei à porta do paraíso e não bati, pois me vi sem mãos. Tomei a sitar em meu colo e não toquei, pois me percebi sem ouvidos. Me puseram de frente à Máquina do Mundo e não a contemplei, pois meu olhos estavam secos.
     Mas o universo funciona numa lógica determinística, em que certos eventos só ocorrem depois de outros.
      O engasgo há de sair. Em seu momento.